A Evolução da Indumentária Gaúcha
- Os quatro trajes fundamentais:
Se formos dividir a história da indumentária gaúcha, veremos que ela se dá
em 4 partes, e a cada uma delas corresponde uma indumentária feminina:
1 - Chiripá primitivo;
2 - Braga;
3 - Chiripá farroupilha;
4 - Bombacha.
Traje Indígena - 1620 à 1730
Quando o homem que veio fazer a América - e se vestia à européia aqui chegou
encontrou, nos campos, índios missioneiros e índios cavaleiros.
Índios Missioneiros: (Tapes, Gês-guaranizados) - constituíam a matéria-prima
trabalhada pelos padres jesuítas dos Sete Povos.
Os Missioneiros se vestiam, conforme severa moral jesuítica. Passaram a usar os
calções europeus e em seguida a camisa, introduzida nas missões pelo Padre
Antônio Sepp.
Usavam, ainda, uma peça de indumentária não européia, proximamente indígena
- "el poncho" - isto é, o pala bichará. Essa peça de indumentária
não existia no Rio Grande do Sul antes da chegada do branco, pois os nossos índios
pré-missioneiros não teciam e nem fiavam.
Os Padres descobriram a atração que as vestes religiosas e as fardas militares
exerciam sobre os índios e distribuíram essas roupas entre eles.
Assim, figurar o Alferes Real Sepé Tiarayu, desnudo ou vestindo chiripá, é
erro grosseiro. Ele usaria a farda correspondente ao seu alto grau militar, ou
vestiria-se civilmente, com bragas, camisa e poncho.
A mulher missioneira, usava o "tipoy", que era um longo vestido
formado por dois panos costurados entre si, deixando sem costurar, apenas duas
aberturas para os braços e uma para o pescoço. Na cintura, usavam uma espécie
de cordão, chamado "chumbé". O "tipoy" era feito de algodão
esbranquiçado, mas em seguida se tornava avermelhado com o pó das Missões. Em
ocasiões festivas, a índia missioneira gostava de usar um alvo "tipoy"
de linho sobre o de uso diário. Apenas nas vestes religiosas, sobretudo nas
procissões, as índias usavam mantos de cores dramáticas, como o roxo e o
negro.
Índios cavaleiros: (Mbaias: Charruas, Minuanos, Yarós, etc): eram assim
chamados porque prontamente se adonaram do cavalo trazido pelo branco,
desenvolvendo uma surpreendente técnica de amestramento e equitação.
Usavam duas peças de indumentária absolutamente originais: o "chiripá"
e o "cayapi".
O chiripá era uma espécie de saia, constituída por um retângulo de pano
enrolado na cintura, até os joelhos. O cayapi dos minuanos era um couro de boi,
inteiro e bem sovado (que se usava às costas) com o pêlo para dentro e carnal
para fora, pintado de listras verticais e horizontais, em cinza e ocre. À
noite, servia de cama, estirado no chão. Os charruas o chamavam de "quillapi"
e "toropi".
A mulher, entre os índios cavaleiros, usava apenas o chiripá. No rosto,
pintura ritual de passagem, assinalando a entrada na puberdade. No pescoço,
colares de contas ou dentes de feras.
De peças da indumentária ibérica, de peças da indumentária indígena e
tantas outras, o gaúcho foi constituindo sua própria indumentária.
Traje Gaúcho - 1730 à 1820
O primeiro caudilho riograndense, tinha mais dinheiro e se vestia melhor. Foi o
primeiro estancieiro. Trajava-se basicamente à européia, com a braga e as
ceroulas de crivo.
Passou a usar também a bota de garrão de potro, invenção gauchesca típica.
Igualmente o cinturão-guaiaca, o lenço de pescoço, o pala indígena, a tira
de pano prendendo os cabelos, o chapéu de pança de burro, etc.
A mulher desse rico estancieiro, usava botinhas fechadas, meias brancas ou de
cor, longos vestidos de seda ou veludo, botinhas fechadas, mantilha, chalé ou
sobrepeliz, grande travessa prendendo os cabelos enrolados e o infaltável
leque.
O traje do peão das vacarias destinava-se a proteger o usuário e a não
atrapalhar a sua atividade - caçar o gado e cavalgar. Normalmente, este gaúcho
só usava o chiripá primitivo (pano enrolado como saia, até os joelhos, meio
aberto na frente, para facilitar a equitação e mesmo o caminhar do homem) e um
pala enfiado na cabeça. O chiripá, em pouco tempo, assumia uma cor indistinta
de múgria - cor de esfregão. À cintura, faixa larga, negra, ou cinturão de
bolsas, tipo guaiaca, adaptado para levar moedas, palhas e fumo e, mais tarde, cédulas,
relógio e até pistola. Ainda à cintura, as infaltáveis armas desse homem: as
boleadeiras, a faca flamenga ou a adaga e, mais raramente, o facão. E sempre à
mão, a lança - de peleia ou de trabalho.
Camisa, quando contava com uma, era de algodão branco ou riscado, sem botões,
apenas com cadarços nos punhos, com gola imensa e mangas largas.
Pala, não faltava, comumente, o de lã - chamado "bichará"- em cores
naturais, e mais raramente o de algodão e o de seda que aos poucos vão
aparecendo. Logo, também surge o poncho redondo, de cor azul e forrado de baeta
vermelha.
Pala: tem origem indígena. Pode ser de lã ou algodão, quando protege contra o
frio, ou de seda, quando preteje contra o calor. É sempre retangular com
franjas nos quatro lados. A gola do pala é um simples talho, por onde o homem
enfia o pescoço.
Poncho: Tem origem inteiramente gauchesca. É feito, invariavelmente, de lã
grossa. Quase sempre é azul escuro, forrado de baeta vermelha, mas também
existem de outras combinações de cores. O poncho tem a forma circular ou
ovalada. Só preteje contra o frio e a chuva. A gola é alta, abotoada e há um
peitilho na frente do poncho.
As botas mais comuns eram as de garrão-de-potro, que eram retiradas de vacas,
burros e éguas (raramente era usado o couro de potro, que lhe deu o nome).
Essas botas eram lonqueadas ou perdiam o pêlo com o uso. Em uso, as botas não
duravam mais de 2 meses. Normalmente, eram feitas com o couro das pernas
traseiras do animal que dão botas maiores. As que eram tiradas das patas
dianteiras, muitas vezes eram cortadas na ponta e no calcanhar, ficando o usuário
com os dedos do pé e o calcanhar de fora. Acima da barriga da perna, era
ajustada por meio de tranças ou tentos.
As esporas mais comuns nessa época eram as nazarenas (européias) e as chilenas
(americanas). As nazarenas tem esse nome devido aos seus espinhos pontudos, que
lembram os cravos que martirizaram Nosso Senhor. As chilenas, devem seu nome à
semelhança com as esporas do "huaso", do Chile. Aos poucos, os
ferreiros da época começaram a criar novos tipos de esporas.
O peão das vacarias não era de muito luxo. Só usava ceroulas de crivo nas
aglomerações urbanas. Ademais, andava de pernas nuas como os índios. À cabeça,
usava a fita dos índios, prendendo os cabelos - que os platinos chamam "vincha"
- e também o lenço, como touca, atado à nuca.
O chapéu, quando usava, era de palha (mais comum), e de feltro, (mais raro), e
talvez o de couro cru, chamado de "pança-de-burro", feito com um
retalho circular da barriga do muar, moldado na cabeça de um palanque. O chapéu,
qualquer que fosse o feitio, era preso com barbicacho sob o queixo ou nariz.
Esse barbicacho era normalmente trançado em delicados tentos de couro cru,
tirados de lonca, ou então, eram simples cordões de seda, torcidas, terminando
em borlas que caía para o lado direito. Mais raramente, era feito de sola e
fivela.
Ainda nesta época, aparece o "cingidor", que é o nosso tirador.
A mulher vestia-se pobremente: nada mais que uma saia comprida, rodada, de cor
escura e blusa clara ou desbotada com o tempo. Pés e pernas descobertas, na
maioria das vezes. Por baixo, apenas usava bombachinhas, que eram as calças
femininas da época.
Traje Gaúcho - 1820 - 1865
Chiripá Farroupilha e Saia e Casaquinho
Este período é dominado por um chiripá que substituiu o anterior, que não é
adequado à equitação, mas para o homem que anda a pé. O chiripá dessa nova
fase é em forma de grande fralda, passada por entre as pernas. Este adapta-se
bem ao ato de cavalgar e essa é certamente a explicação para o seu
aparecimento. Com isto, fica claro que o Chiripá Primitivo era de origem indígena.
Já o Chiripá Farroupilha é inteiramente gaúcho. Esse é um traje muito
funcional, nem muito curto, nem muito comprido, tendo o joelho por limite, ao
cobri-lo.
As esporas deste período são as chilenas, as nazarenas e os novos tipos
inventados pelos ferreiros da campanha. As botas são, ainda, a bota forte,
comum, a bota russilhona e a bota de garrão, inteira ou de meio pé. As
ceroulas são enfiadas no cano da bota ou, quando por fora, mostram nas
extremidades, crivos, rendas e franjas. À cintura, faixa preta e guaiaca, de
uma ou duas fivelas.
Camisa sem botões, de gola, e mangas largas. Usavam jaleco, de lã ou mesmo
veludo, e às vezes, a jaqueta, com gola e manga de casaco, terminando na
cintura, fechado à frente por grandes botões ou moedas.
No pescoço, lenço de seda, nas cores mais populares, vermelho ou branco. Porém,
muitas vezes, o lenço adotado tinha outras cores e padronagens. Em caso de
luto, usava-se o lenço preto. Com luto aliviado, preto com
"petit-pois", carijó ou xadrez de preto e branco. Aos ombros, pala,
bichará ou poncho. Na cabeça usavam a fita dos índios ou o lenço amarrado à
pirata e, se for o caso, chapéu de feltro, com aba estreita e copa alta ou chapéu
de palha, sempre preso com barbicacho.
A mulher, nesta época, usava saia e casaquinho com discretas rendas e enfeites.
Tinham as pernas cobertas com meias, salvo na intimidade do lar. Usavam cabelo
solto ou trançado, para as solteiras e em coque para as senhoras. Os sapatos
eram fechados e discretos. Como jóias apenas um camafeu ou broche. Ao pescoço
vinha muitas vezes o fichú (triângulo de seda ou crochê, com as pontas
fechados por um broche). Este foi o traje usado pelas ricas e pobres desta época.
Traje gaúcho - 1865 até nossos dias
Bombacha e Vestido de Prenda
A bombacha surgiu com os turcos e veio para o Brasil usada pelos pobres na
Guerra do Paraguai. Até o começo do século, usar bombachas em um baile, seria
um desrespeito. O gaúcho viajava à cavalo, trajando bombachas e trazia as calças
"cola fina", dobradas em baixo dos pelegos, para frisar.
As bombachas são largas na Fronteira, estreitas na Serra e médias no Planalto,
abotoadas no tornozelo, e quase sempre com favos de mel. A correta bombacha é a
de cós largo, sem alças para a cinta e com dois bolsos grandes nas laterais,
de cores claras para ocasiões festivas, sóbrias e escuras para viagens ou
trabalho.
À cintura o fronteirista usa faixa; o serrano e planaltense dispensam a mesma e
a guaiaca da Fronteira é diferente da serrana, por esta ser geralmente peluda e
com coldre inteiriço.
A camisa é de um pano só, no máximo de pano riscado. Em ambiente de maior
respeito usa-se o colete, a blusa campeira ou o casaco.
O lenço do pescoço é atado por um nó de oito maneiras diferentes e as cores
branco e vermelho são as mais tradicionais.
Usa-se mais freqüentemente o chapéu de copa baixa e abas largas, podendo
variar com o gosto individual do usuário, evitando sempre enfeites indiscretos
no barbicacho.
Por convenção social o peão não usa chapéu em locais cobertos, como por
exemplo no interior de um galpão.
As esporas mais utilizadas são as "chilenas", destacando-se ainda as
"nazarenas". Botas, de sapataria preferencialmente pretas ou marrons.
Para proteger-se da chuva e do frio usa-se o poncho ou a capa campeira e do
calor o poncho-pala. Cita-se ainda o bichará como proteção contra o frio do
inverno. Obs.: O preto é somente usado em sinal de luto.
O tirador deve ser simples, sem enfeites, curtos e com flecos compridos na
Serra, de pontas arredondadas no Planalto, comprido com ou sem flecos na
Campanha e de bordas retas com flecos de meio palmo na Fronteira.
É vedado o uso de bombacha com túnica tipo militar, bem como chiripás por
prendas por ser um traje masculino.
A indumentária da prenda é regulamentada por uma tese de autoria de Luiz Celso
Gomes Yarup, que foi aprovada no 34º. Congresso Tradicionalista Gaúcho, em Caçapava
do Sul.
01 - O vestido deverá ser, preferencialmente, de uma peça, com barra da saia
no peito do pé;
02 - A quantidade de passa-fitas, apliques, babados e rendas é livre;
03 - O vestido pode ser de tecido estampado ou liso, sendo facultado o uso de
tecidos sintéticos com estamparia miúda ou "petit-pois";
04 - Vedado o decote;
05 - Saia de armar: quantidade livre (sem exageros);
06 - Obrigatório o uso de bombachinhas, rendadas ou não, cujo comprimento
deverá atingir a altura do joelho;
07 - Mangas até os cotovelos, três quartos ou até os pulsos;
08 - Facultativo o uso de lenço com pontas cruzadas sobre o peito, também
facultado o uso do fichu de seda com franjas ou de crochê, preso com broche ou
camafeu, ou ainda do chalé;
09 - Meias longas brancas ou coloridas, não transparentes;
10 - Sapato com salto 5 (cinco), ou meio salto, que abotoe do lado de fora, por
uma tira que passa sobre o peito do pé;
11 - Cabelo solto ou em trança (única ou dupla), com flores ou fitas;
12 - Facultado o uso de brincos de argola de metal. Vedados os de fantasia ou de
plásticos;
13 - Vedado o uso de colares;
14 - Permitido o uso de pulseiras de aro de qualquer metal. Não aceitas as
pulseiras de plástico;
15 - Permitido o uso de um anel de metal em cada mão. Vedados os de fantasia;
16 - É permitido o uso discreto de maquiagem facial, sem batons roxos, sombras
coloridas, delineadores em demasia;
17 - Vedado o uso de relógios de pulso e de luvas;
18 - Livre a criação dos vestidos, quanto a cores, padrões e silhuetas,
dentro dos parâmetros acima enumerados.
Fonte: Indumentária Gaúcha
Antônio Augusto Fagundes, Martins Livreiro Editor
(2ª Edição) - Porto Alegre - 1985
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