segunda-feira, 31 de março de 2014

Tropeiro de Minha Infancia

TROPEIRO DE MINHA INFANCIA (tema)
AUTORA: Jurema Chaves
Guardo na moldura dos meus olhos
A imagem de um tropeiro
Velho peão carreteiro
Que tantos rastros deixou...
O meu avô foi um tropeiro
Que muito me ensinou.
Das longas prosas à tardinha
Quando a noite avizinhava
Volteando um fogo de chão,
Eu dormia de mansinho
No colo desse velhinho
Que sua história contava...
Exemplo de vida e lida
Esse velhito amoroso
Que me contava seus causos
Das noites fitando o céu
Guardando tropilha solta
Por debaixo do chapéu!
Um cochilo uma lembrança,
Muita saudade dos seus
Recolhida nas distâncias
Guardadas na mão de Deus!
Muitas vezes esse tropeiro
Com o olhar serenado,
Lembrando o tempo passado
Das mochilas, dos cargueiros...
Do arroz de carreteiro
Do charque gordo picado,
Um chimarrão junto ao fogo
No velho poncho enrolado...
E eu o escutava em voz alta
Meu Deus, como sinto falta
Dos causos que ele contava!
Dizia-me das venturas
Dos tropeços e carreteadas...
Das noites lerdas de sono
Dos lumes dos arrebóis...
Troperiando chuvas e sóis
Pras os horizontes sem dono
cada vez mais distante
Rastreando ao trote dos dias
Buscando o sonho longevo
Muito além das sesmarias!
A vida, dizia-me ele -
Tem belezas infinitas
Mas também horas aflitas
Guarde contigo os conselhos
Desse velho que estradeou
Por esse pampa gaudério,
Que cresceu sobre o lombilho
De um potro corcoveador,
Desde os tempos de criança
Sem nunca perder o entono,
Fiz dos arreios meu trono
Pra te deixar essa herança!
- Desbravei tantos caminhos
Curtindo o vento pampiano
Sem refugar tempo feio
Troperiando a despacito...
No imenso rodar do tempo
Busquei a rosa-dos-ventos
Entre o sol e o luar,
Vi o progresso chegando
Vi meus cabelos branqueando
Vi prantos no meu olhar...
Vi as tropeadas findando
E as velhas carretas tortas
Em tantas idas e voltas
A um museu recolhidas
Como partes repartidas
Que não mais posso buscar...
Às vezes, a ensimesmar
Vejo a tropa enfileirada
Nas auroras-madrugada
Com meu pingo a me chamar...
Ainda ouço os soluços
O gemido das cambotas
Velhos balaios de tropas
Cangalhas sem serventia!
Pois o progresso levou
Aquela estampa bravia.
E o tempo se encarregou
De alongar os horizontes
E encurtar os meus passos...
De desbotar-me as retinas
Tirar-me a força dos braços.
É nesta moldura que vejo
Meu avô mirando os longes
A cuia aquecendo a mão.
As botas gastas de chão
Um par de esporas caladas,
No galpão dependuradas
Por desuso do garrão...
No soluço das goteiras
E eu me vejo um piazito
Ouço a voz desse velhito
A quem devo o que hoje sou.
E por onde que ficouO velho tropeiro de outrora?
As tropas foram-se embora
O progresso as deserdou.

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